Era uma flor,
nascida no asfalto, sem muitas esperanças. Por muitas, eu, de meu apartamento
que ficava no terceiro andar de um prédio, consideravelmente, antigo, via
alguns garotos ignorantes que por pirraça pisavam e risos de deboche eram dados
em direção à pobre flor que mal podia respirar naquela selva. O que a tornava
encantador, talvez não fosse a sua beleza imensurável, ou a cor de suas pétalas
que encantavam todos, que pudessem ser encantados por belezas deste mesmo tipo,
mas sim a resistência que se mostrava ter.
Simples, pequena,
sem muito o que dizer, afinal, o que poderia indagar sobre um vegetal comum?
Sim, ela tinha um caule esverdeado e possuia pouco mais de sete pétalas. No dia
seguinte, no dia seguinte, no dia seguinte, no dia seguinte. Certo, depois de um
mês a observando, eu percebi o sofrimento, o que era sofrimento. Sim, depois
disso, poucas as vezes que comentava alguma espécie de sofrimento de minha
parte. Ao menos, quando pisaram em mim, constantes vezes, eu gritava,
esperniava, jogava-me no chão desesperadamente a fim de que pudesse ganhar a
atenção de um mosqueteiro que pudesse me acudir.
Lembra-se do
garoto? Bom, o carrasco em questão era pontual. Não faltava de jeito maneira,
todos os dias, duas vezes por dia, estava lá, passava pela rua de selva de
concreto onde a plantinha guerreava. Sempre a mesma ação, sempre o mesmo
ritual. Com suas mochilas batiam entre si, grupo de cinco, alguns gordos,
outros magros, uns de aparelho, outros ruivos e com um olhar esquisito. O
gordinho, ruivo, de aparelho, com sarnas, vestindo um jardineiro com uma camisa
vermelha sangue era o que tinha o olhar diabólico. Parecia rir de tudo, mas não
se encaixava em risadas de alegria, daquelas que se mostravam num tom puro, sem
cordialidade, sem precisar de uma atenção e sim no sarcasmo, com tom de
deboche.
E o ritual? Sempre
o mesmo, sem mudança alguma, como se sentisse a necessidade de fazer aquilo.
Sem mais, pulava com toda a força exigida para levantar o seu corpo juntamente
com a bolsa que carregava nas costas. O pulo, sempre, direcionado à aguerrida.
Um pulo, apenas. Logo depois o garoto saia saltitando, pelo continuo da calçada
até o fim da rua.
Mas dessa vez algo
fugia do comum. Logo após que a garotada virava na esquina seguinte, avistei
uma menina, não mais que seis anos, vestindo um pijama rosa, sem detalhes
adicionais. Lentamente, ia em direção à flor. Agacha-se e com toda a força que
reuniu, segurando o pequeno caule, arrancou-a. E aí saiu correndo até a sua
casa, logo alí, próximo à esquina contrária onde os garotos acabaram de estar.
Dava para ver ao menos a varanda, então ainda a vi pegando um vaso cheio de
terra e pondo a raíz ali.
Já não me
preocupara mais, a mesma programação já não existia…
O observador em
questão, alguns dias depois se levantara ouvindo o som de um jarro se
quebrando. Ela estava seca, morta. A menina em prantos e por mais uma vez, lá
estava o garoto rindo, debochando, agora, com as lágrimas da pequena.