Brinquedo velho

Estou jogado aqui a tanto tempo que ao respirar poeira, nem mais consigo tossir, não sei diferenciar o sujo, não sei o que é sorrir ou nem mesmo, nem consigo me lembrar de momentos que tive com você. Lembro-me apenas dos seus olhos cristalinos, mas grandes, que sempre chegavam próximos aos meus e ficavam olhando para o pequeno corte que eu tinha nas costas.

Talvez não fosse eu quem fosse passar contigo os momentos mais alegres, que te iria ver sorrir por qualquer coisa em vão, que iria te mostrar o caminho a seguir. Eu só represento uma fase sua, apenas aquela fase que você não tinha a malícia das pessoas maiores, que ninguém te entendia por estar com medo daquele escurinho que vinha de baixo da sua cama. Daí você me agarrava, me apertava e não me largava... Eu te fazia adormecer, mas não era pra ser assim pra sempre. Uma hora vocês crescem e simplesmente aprendem a não ter medo e me fazem ficar com cara de bobo. E esse tempo resolveu dar as caras, mostrar que ele é soberano e que eu não sou nada diante dele. Ele a ensinou a minha inferioridade, ele me tirou o meu encanto que a tanto fez me querer por perto.

Agora estou posto sentado na cabeceira da sua cama, passando dias e dias te encarando, esperando que você perceba que estou aqui novamente, mas eu já sou invisivel para você. Vejo-me como o seu brinquedo que já não tem mais uso, essa imagem que me vem nítida através do espelho já não me dói. Eu que sabia de todos os seus defeitos e todos os seus sorrisos, sabia quando você precisava de um carinho ou de um olhar única, indiferente como o meu, que sabia quando não houveram quaisquer coisas em outros lugares, não sou nada mais que um aglomerador de poeira que uma hora vai te fazer tossir, adoecer... Até que alguém resolva me tirar de sua vida, mas mesmo sabendo disso tudo, quero apenas estar próximo a ti, mesmo que terei de me aconchegar naquele mesmo escuro que te importunava de baixo de onde eu, antes, fizera você dormir.